A aldeia de Bicas fica para trás e Susana Francisco, 26 anos, guia o seu pequeno carro até Abrantes, a cidade mais próxima. São 15 minutos de viagem, numa estrada de curvas apertadas, com o Tejo a debruar o caminho. Palmilha, confiante, a calçada do centro histórico, nos seus saltos altos. Chega de calças de ganga justas, top preto e blazer creme, o peito cheio de coragem e o seu melhor ar profissional. É dia de entregar currículos e "coleccionar carimbos".
É um dever de todos os beneficiários do subsídio de desemprego: a procura activa de trabalho. Para prová-lo junto do Centro de Emprego é preciso recolher declarações carimbadas das empresas contactadas. As obrigações variam, consoante a zona do País e a idade do desempregado. No caso de Susana, necessita de juntar cinco declarações mensais ao processo que vai enchendo a pasta de plástico transparente, fornecida pelo Instituto de Emprego e Formação Profissional. Uma pasta que anuncia, em letras gordas e verdes, quem sabe apelando à esperança, que Susana está "em acção para o emprego".
STAND, ESCOLA, CONSULTÓRIO
O dia não começa da melhor forma. A primeira porta a que bateu, a de um stand de automóveis de gama alta, está literalmente fechada. Um papel colado no vidro anuncia que, em caso de interesse, deve ligar-se para o número tal. Susana não desanima e decide apontar a outros alvos. Tenta a sorte numa escola de condução mas volta a ficar na rua. Ainda não são 10 da manhã, há que voltar mais tarde. Segue para um consultório dentário, na vizinhança, onde é recebida por uma assistente. Estabelece-se, de imediato, uma cumplicidade. "Também estive uns meses à procura de trabalho, sei bem o que custa estar desse lado", diz-lhe, prometendo guardar a declaração para que o responsável pelo consultório a assine e carimbe mais tarde. Susana terá de voltar para recolher o comprovativo.
Ali mesmo ao lado, há outra porta aberta e a ribatejana decide arriscar. Na Óptica Alípios fala com o proprietário, António Paulo, habituado a receber currículos. "Geralmente não há perspectivas de trabalho mas agora estamos num processo de recrutamento de uma funcionária", explica, para surpresa de Susana. O processo de entrevistas será conduzido por uma empresa externa mas ele promete encaminhar o seu currículo, que analisa interessado. Formação superior, experiência na área administrativa, competências na área informática. Pode haver uma hipótese.
E só isso já transformou o dia de Susana.
Continuam a conversar, ao balcão da loja ampla, enquanto uma cliente namora um expositor de óculos de sol. António Paulo não se distrai enquanto preenche, de forma diligente, a declaração para o Centro de Emprego: "(...) Susana Francisco esteve presente nesta entidade tendo apresentado a sua disponibilidade para postos de trabalho que possam vir a ser considerados como ajustados à sua experiência profissional." Depois de assinar, sela-se a breve conversa ao som do necessário carimbo. E com desejos de "boa sorte."
Próxima paragem: Centro de Emprego de Abrantes. Há mais de 30 pessoas à espera da sua vez. Susana aproveita para espreitar as ofertas de emprego na Europa, apesar de nunca ter considerado emigrar. Pedem-se animadores para campos de férias em Espanha, trabalhadores agrícolas para a Suíça, farmacêuticos e biólogos para o Reino Unido. Nada se adequa à sua situação. A nível nacional, a situação não é melhor. Em toda a região, abrangendo Torres Novas e Tomar, a uma hora de carro, há 11 folhas A4 de ofertas de emprego, em áreas de formação incompatíveis com a sua. Na zona de Abrantes, contam-se apenas 17 ofertas de trabalho: serralheiro mecânico, cortador de carnes, bate-chapas... Em cinco meses de desemprego, Susana nunca descobriu ou recebeu qualquer proposta através dos serviços do Estado.
A recepcionista anuncia que "o sistema foi abaixo". Quem vinha à apresentação quinzenal obrigatória pode deixar uma declaração assinada e ir-se embora. Os outros, "voltem amanhã". Em dois minutos, o Centro fica vazio e silencioso. Quase todos saem cabisbaixos, vociferando baixinho ou lamentando a pouca sorte. Susana guarda a sua "colecção de carimbos" para apresentar noutro dia e volta a meter-se no carro. Mas nem tudo correu mal na sua manhã. É o que basta para levar um sorriso na cara, uma esperança no coração.
NÚMEROS >> 491 635 - desempregados registados nos centros de emprego, no final de Abril. É o valor mais alto dos últimos 35 anos
>> €464 - valor médio do subsídio de desemprego com que sobrevivem, actualmente, cerca de 319 mil pessoas
>> €622 milhões - montante gasto pelo Estado em subsídios de desemprego, nos últimos 12 meses (mais 18% que no ano anterior)
Fonte: Instituto do Emprego e Formação Profissional